Resenha do Livro

Uma das 17 primeiras vereadoras de Minas

Lucilia – Rosa Vermelha é a biografia da feminista e comunista Lucilia Soares Rosa, que dedicou mais de 80 anos de sua vida em busca de uma sociedade mais justa. Ela é uma das 17 primeiras vereadoras de Minas Gerais, eleita aos 35 anos em 1947, em Campo Florido, no Triângulo Mineiro. Pertencia ao PSD (Partido Social Democrático), embora fosse, de fato, do então clandestino PCB (Partido Comunista do Brasil), desde os 18 anos.

A obra da Editora Bertolucci, de Sacramento (MG), com tiragem de duas mil cópias contém 250 imagens. São 46 capítulos em cerca de 200 páginas, abordando a vida da biografada e fatos ligados a ela. Registra passagens envolvendo familiares, amigos, companheiros de lutas e acontecimentos locais, regionais, nacionais e internacionais relacionados à vida de Lucilia. São dedicadas, aproximadamente, outras 100 páginas a esse capítulo, além de mais 100 que listam – em forma de verbetes – cerca de 600 nomes de comunistas e de simpatizantes residentes em Uberaba, e de outros 300 moradores em 21 municípios da região.

Destemidos enfrentaram o clero desde século 19

Os autores, a historiadora Luciana Maluf Vilela e o jornalista Luiz Alberto Molinar, realizaram por cinco anos pesquisas que contou, também, com 64 entrevistas e outras nove feitas por servidores do Arquivo Público de Uberaba. E, ainda, consultaram 83 livros, 24 revistas, 150 jornais, 13 dissertações universitárias, seis processos judiciais e assistiram a seis documentários.

Uma das orelhas do livro é assinada pelo proprietário da Editora Bertolucci e membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro, Carlos Alberto Cerchi. Avalia ele que a obra “traz uma extraordinária contribuição à pesquisa histórica, lançando luzes para desfazer o mito existente sobre o conservadorismo interiorano”.

Na outra orelha, o professor de economia da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e autor de 10 livros sobre política, Juarez Guimarães, destaca três razões para se ler a publicação. Entre as quais diz que “possivelmente tocados pela grandeza e generosidade da vida que narravam, os autores construíram uma verdadeira história social da esquerda do Triângulo Mineiro. Isto é, a própria memória das ‘pessoas humildes sem história’ – com suas cores, seus retratos, suas aventuras e fracassos, utopias e esperanças”.

Livro mobilizou 2,5 mil pessoas em 9 cidades

Cerca de 2,5 mil pessoas nos municípios de Uberaba, Sacramento, Ituiutaba, Belo Horizonte, Uberlândia, Campo Florido, Araguari, Frutal e Planura participaram de lançamentos, saraus, debates e homenagens envolvendo o livro Lucilia – Rosa Vermelha,  entre 2012 e 2016. Os eventos ocorreram em universidades, escola estadual, assentamento de reforma agrária, inauguração de biblioteca, congresso sindical, comemoração do Dia Internacional da Mulher, entre outros.

Quem foi Lucilia

Lucilia nasceu em Uberaba (MG), em 1912, filha do alfaiate Calisto Rosa e sobrinha do professor e agrimensor Alexandre Barbosa, católicos até a adolescência, ambos tornaram-se anticlericais e anarquistas. Eles exerceram importante influência sobre ela. Seu avô materno, José Severino Soares, o “Juca” Severino, foi o principal fotógrafo do Brasil Central, entre 1860 e 1917.

Não foi batizada na igreja. Nunca pintou as unhas e nem se maquiou. Namorou muitos. Dois primos a pediram em casamento. Foi costureira de vestido de noiva. Casou por contrato com homem casado. Foi professora, faxineira e cozinheira de ‘mão cheia’. Ateia desde criancinha e espiritualista aos 90 anos: “Há algo mais. Eu não acredito em Deus, mas alguns amigos acreditam e eu acredito neles”, dizia.

Morou com Anita e com Prestes

A biografada tinha memória extraordinária e manteve um acervo rico de documentos, entre eles, correspondências que manteve com Luiz Carlos Prestes, o mais importante líder comunista brasileiro, e com Anita Leocádia, filha dele com Olga Benário, morta em campo de concentração nazista, na Alemanha.

Lucilia foi amiga de Anita por mais de 30 anos. Moraram juntas durante dois anos e meio, entre 70 e 72, clandestinamente, durante os anos mais sangrentos da ditadura civil-militar, em São Paulo (SP). Passava-se por tia de “Alice Nascimento”, codinome de Anita. Residiu também, durante três meses, em 1962, na capital paulista, com a família de Prestes, a quem ajudava a cuidar de seis dos sete filhos.

Ligações com Candido Portinari e Jorge Amado

Outras celebridades da política e da cultura nacional que mantiveram relação com pessoas ligadas a Lucilia são enfocadas. Entre elas, o pintor Candido Portinari, amigo do português e corretor de seguros Antonio Manoel Mendes André, diretor, no final dos anos de 1940, do jornal paulistano Hoje, ligado ao PCB, e que tinha como redator-chefe o escritor Jorge Amado. Mendes, e seu melhor amigo, o pai de Lucilia, visitavam frequentemente Portinari em Brodowski (SP).

Dilma reverenciou Lucilia

A ex-presidenta Dilma Rousseff (PT) reverenciou a trajetória de Lucilia no dia 17 de março de 2011, um mês após sua morte, em discurso oficial após assinar protocolo de intenções da Petrobras para a implantação de unidade de fertilizantes, em Uberaba. Eis as palavras de Dilma:

- Neste mês em homenagem à luta internacional das mulheres, queria homenagear uma mulher muito corajosa aqui de Uberaba. Dona Lucila Soares Rosa, que faleceu aos 98 anos. Foi uma das primeiras vereadoras de Minas Gerais. Não foi vereadora numa época em que era fácil. Foi vereadora numa época em que a discriminação era mais forte. Participou de movimento sem se deixar intimidar ou esmorecer. Portanto, a minha homenagem à dona Lucila.

Morte aos 98 anos

Lucilia morreu aos 98 anos, em 3 de março de 2011, e foi decretado luto oficial de três dias em Uberaba, onde viveu por mais de 50 anos. Ela deixou dois filhos dentistas. Calixto Rosa Neto que foi vereador pelo PSD em Campo Florido, em 1963, e cassado e preso pelo Golpe Civil-Militar de 1964. Elegeu-se também para o Legislativo em Uberaba, com mandato de 1983 a 1988 pelo PMDB. Moizés Soares Rosa foi diretor da cooperativa Uniodonto. Lucilia contava com 13 netos, oito bisnetos e uma trineta.